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Exceção à regra

Quem me conhece sabe que essa história é verdadeira. Ela se sucedeu lá pelos idos de 1998, ano em que Lulinha ainda era uma estrela lá no céu e perdia mais uma eleição para o “sociólogo”. E ainda me lembro das ruas cheias de santinhos e que um ar de ressaca tomava conta do ar, e ainda achávamos, antes do resultado, que o vermelhinho havia ganhado, mas as esperanças se esvairiam no dia seguinte.

Mas, este texto não tem nada a ver com política. Pegue a cena dos santinhos nas ruas. Avance umas dez horas para frente. Isso, agora pare! Exatamente às 6h da manhã, estávamos eu e Juliana, cozidos e defumados, defronte a uma taberna chamada “Porão do Rock”, realmente lá pelos idos de 1998.

Batíamos os queixos, e certamente sentiríamos a ponta do nariz e as orelhas gelarem se não estivéssemos anestesiados. E se dizem que Deus ajuda a quem cedo madruga, e se nós ainda não havíamos dormido, então acho que chegamos a uma exceção à regra. E esperava realmente que Deus nos ajudasse quando de repente Juliana resolveu desfazer-se de vez de qualquer traço ainda persistente de sociabilidade e se entregar de vez a uma embriaguez soturna, dispensando vários jatos de vômito disparados sem prévio aviso e sem nenhum remorso a qualquer direção que o nariz apontasse. Depois, ela desmaiou.

A vida de boemia é assim. A sensatez e o dark side são divididos por uma linha tênue, e às vezes sem querer querendo passamos de um lado ao outro. Isso ocorreu quando me peguei olhando sem pudor para o decote dela, até que uma consciência nada vã resolveu recolocar minha índole no lugar de onde não deveria ter saído.

Quando Juliana esboçou um leve tom de humanidade, eu a levantei – estava toda emporcalhada – fiz sinal para um táxi, que era também sinal de loucura, já que nem um tostão havia em meus bolsos e ainda poderia sujar o banco do taxista, o que de fato ocorrera. E, como marmelada na hora da morte mata, sentei no banco da frente e percebia a marmelada chegar às entranhas do estômago e já me sentia moribundo. Mas, como nenhum organismo é igual, aquele doce não me afetaria.

– Para onde? – Indagou o taxista.
– Sabe o que é, estou sem grana, lesado. Minha amiga passou mal e estou num apuro danado. Precisamos ir para o Bairro Alto. Cê quebra essa? – Indaguei com sorriso amarelo. Era loucura de verdade.

O taxista sorriu também.

– Bom, essa era pra ser a minha última corrida. E por sorte de vocês, moro exatamente no Bairro Alto. Acho que hoje é um dia para terminar mais cedo o trabalho.

Ele desligou a taxímetro ao tempo que uma leve garoa cobriu a atmosfera, para que ninguém visse Deus nos ajudando e percebessem a exceção à regra.