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CRENDICE

A crendice mais absurda com a qual topei foi a de que o homem não é homem, no sentido de ser uma coisa naturalmente advinda, de uma maneira ou de outra, das entranhas da terra. Preparei-me melhor na minha cadeira de balanço, velha, coitada, do tempo da Segunda Guerra, que eu herdara de meu avô. Sim, pois foi ali, um tanto mal ajeitado, que li pela primeira vez essa “hipótese”. Era início de 1982, e a luz estava fraca, talvez em meia luz como diz minha vizinha, por causa da ventania daquela hora do almoço que quase arrancara minha casa dali.

“O homem não é homem, somos carregados de DNA alienígena. Há milhares de anos, seres vindos da galáxia de Andrômeda teriam manipulado nosso código genético para que pudéssemos nos desenvolver e nos tornar os seres dominantes da Terra”. Li aquilo com certo receio. Pensei em logo, e de uma vez por todas, jogar fora aquele folhetim chinfrim, ao qual me dedicava todas as manhãs. Mas, é como chicletes no sapato, por mais que você queira, ele está no seu calço.

“Isso de modo difuso e obviamente simplificado já fora dito por povos antigos, mas palavras como código genético e DNA eram substituídas por outras que os valham. Com o passar do tempo, com a evolução dos povos e consequentemente da ciência, essa questão ficou mais clara, dada a especificidade das pesquisas genéticas”. Nesse momento, tirei os óculos, aqueles com lentes tão grossas quanto o fundo das garrafas de vidro, que quase todo o dia ficavam dependurados em meu nariz, e os limpei como se fossem eles os culpados por minha insólita ignorância. “Poupem-me”, dizia às palavras. Mas, ao recolocá-los, o texto, que era de autoria de Andreas Ludson, continuou o mesmo, bem como o meu humor. Joguei o folhetim no chão, que curiosamente caiu com a imagem de uma bebida fortificante para a carne voltada para cima. Deixei a velha cadeira, que passou a mover-se sozinha a tarde inteira, assim eu acho, pois deixei sem querer a janela da sala aberta. Fui barbear-me que ganharia mais, muito mais com aquilo.

De cara lisa, preparava-me para ir trabalhar, sem dispensar os pensamentos sobre DNA, infelizmente. “Mas, que praga!”. Doses exageradas de ar puro entravam em meus pulmões e nutriam minhas células nervosas de oxigênio. À tarde, passei razoavelmente bem, embora tenha ficado por vezes com aquele texto a passar como um letreiro de final filme em minha cabeça. Voltei, confesso, correndo para casa. Enfim, pude retomar nas mãos aqueles papéis com aspectos sujos, curiosamente. “Deveria ter aceitado o gato que o tio Aristides queria me dar! Ao menos teria defecado nas páginas recheadas de besteirol e me livraria desse pequeno vício”.

Voltei a ler e, é bem verdade, não parei mais. A "Semente", de Karl Fries, "Salve Alfa", de Abram Gabriel e "Sem fronteiras - contatos", de Órion Júnior, foram as obras que li e reli e reli, num processo de rito de iniciação. Depois, vieram as revistas, as participações em congressos, a análise de fotos e imagens etc. Isso tudo se tornou um grande vício, e esse grande vício tornou-se minha vida. Anos se passaram e muita coisa mudou. Nos seguintes, histórias fictícias pipocaram aqui e ali, quase sempre no campo cinematográfico. Os filmes de ficção científica martelavam no final da década de 1990 a mesma temática que li em 1982. Seres vindos de qualquer buraco – talvez até do negro – do universo, chegando aqui no paraíso terrestre e entregando a esses pobres animais irracionais, burros e incapazes a luz da sabedoria, do desenvolvimento e da razão. Dos gritos estridentes que rasgavam cordas vocais na Pré-História aos gritos das espaçonaves que ainda com dificuldade desgarram-se do solo terrestre.

Hoje, eu reconheço que a minha crendice advém da ideia mais absurda com a qual topei, por mais absurdo que tudo isso pareça. Range na minha cabeça cada descoberta que faço assim como ainda range na sala de minha residência a velha cadeira de balanço, que persiste contra o desgaste natural.

Não posso, isto sim, contar de meus contatos psíquicos com outros seres e outras dimensões. Devo ter paciência com o leitor, e o leitor numa proporção muito maior, deve ter paciência comigo. Certamente, se falasse qualquer desses casos, quem lesse isso largaria "essas páginas sujas" no chão de casa e se irritaria por demais com isso. O leitor de fato se irritaria com algo que parece ser apenas uma crendice e talvez a mais absurda com a qual topou. O leitor se irritaria com a verdade.

4 comentários:

  1. Conta mais. Não vou me irritar.

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  2. Acredito, também, que objetos do passado podem fazer esse tipo de ligação, nos ajuda a pensar em algumas coisas absurdas, muitas das vezes.

    Bacana, parabéns!
    Ariel

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  3. Ah esse aliens malditos! Conte-nos toda a verdade!

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  4. To falando... Estamos desde o início dos tempos vivendo na Matrix! Aliens são malditas sentinelas e você pode estar naquela outra horta humana...

    KKKK...

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